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Semana da Visibilidade Lésbica: Um Grito de Resistência


No dia 29 de agosto comemoramos o dia nacional da visibilidade lésbica, e na semana anterior ao dia 29 celebramos uma semana inteira dedicada à visibilidade da mulher lésbica. Vocês podem não ter conhecimento disso, inclusive as próprias lésbicas podem nunca nem ter ouvido falar dessa data. Como o nome diz, a semana é voltada para visibilidade de um grupo marginalizado dentro da própria comunidade “L”GBT, as lésbicas. Muitos, erroneamente, julgam que o dia do orgulho gay nos representa de alguma forma. Isso não é verdade.
Pode não ser de conhecimento da maioria das pessoas, mas o movimento LGBT não representa ou visibiliza lésbicas de forma alguma. As conquistas que contemplam lésbicas dentro do movimento LGBT não passam de migalhas que colhemos de homens gays, quem realmente importa nessa sigla mentirosa. À nós lésbicas resta lutar por todas as minorias oprimidas enquanto nos negligenciamos e sequer pensamos nas nossas próprias pautas. Pouco ou nada se fala em espaços LGBT sobre o estupro corretivo que lésbicas sofrem, sobre a violência doméstica lesbofóbica que sofremos dentro de casa, sobre a violência lesbofóbica que sofremos em basicamente todos os lugares. Isso me leva à próxima parte.


Homofobia ≠ Lesbofobia

Homofobia tem sido umas das palavras mais gritadas pelos movimentos LGBT e pelos simpatizantes do mesmo, é uma pauta com fácil adesão da militância de esquerda, liberal. Afinal, todos amam os gays. A questão é: no discurso de homofobia não há nenhum tipo de recorte de gênero. Lésbicas não sofrem homofobia, lésbicas sofrem lesbofobia. Lésbicas não são apenas homossexuais. Somos, também, mulheres. E isso faz toda a diferença na nossa vivência enquanto lésbicas. A homossexualidade masculina sempre foi normal, aceita, e até celebrada. A rejeição da homossexualidade masculina é um fenômeno relativamente recente. Enquanto isso, mulheres desde sempre foram seres de segunda classe, relegadas à serem parideiras dos homens que amavam outros homens, relegadas à servidão doméstica dos homens que amavam outros homens (e odiavam mulheres).
Às mulheres nunca foi permitida a exploração da lesbianidade livremente, pois isso significava rejeitar homens, rejeitar pênis, rejeitar que aqueles homens controlassem seus corpos e as subjugassem. E isso devia ser destruído. Enquanto homens gays eram celebrados, enquanto homens gays possuíam bordéis pra que pudessem exercer a sexualidade, mulheres que tentassem viver sem homens eram mortas, mulheres lésbicas eram condenadas à fogueira por bruxaria, mulheres lésbicas eram internadas em sanatórios e estupradas repetidamente. A história é pontual em revelar guerreiros, reis, faraós, cavaleiros, todos gays. É pontual em retratar o amor deles, o respeito, (dependendo da época) seu calvário. Na história não existem lésbicas. Proponho um exercício: quantas figuras históricas gays você se lembra? Agora, quantas lésbicas? Os poucos momentos em que somos lembradas somos retratadas como bruxas, vampiras, demônios, que seduziam mulheres puras, que deviam ser mortas e destruídas pelo homem bom. Sendo assim, mulheres lésbicas tem suas pautas específicas totalmente diferente das de homens gays e que são totalmente apagadas nesse conceito ao qual tentam nos assimilar. Conceito esse irresponsável, pois ignora o fato de que homens gays também podem ser lesbofóbicos. E na maioria das vezes, o são.
No patriarcado mulheres vivem constantemente sob um sistema chamado heterossexualidade compulsória. Diferente do conceito de heteronormatividade liberal já conhecido em que todos sofrem igualmente ao fugir dela, a heterossexualidade é um sistema de doutrinação de mulheres muito bem estruturado. Mulheres são doutrinadas a estarem sob o controle de homens por esse sistema para que os mesmos tenham fácil acesso ao seus corpos e possam controlá-lo com maior facilidade. E é desse sistema que mulheres lésbicas se desviam ao amar outras mulheres, à ter prazer sem homens, a terem controle de si mesmas, à amar outras vaginas, a amar outras mulheres. E claro, isso não passa despercebido ao patriarcado, à sociedade. Ser lésbica é rejeitar totalmente as regras fundamentais do patriarcado, é renegar um sistema forte de controle de mulheres, é resistência, resistir à esse sistema que nos empurra pra homens, que empurra pênis pros nossos corpos. É uma resistência dura, é uma resistência traz muita dor e cicatrizes pelo caminho. E devemos ser respeitadas por isso.
A rivalidade feminina é um dos fundamentos do patriarcado, e dentro desse contexto o amor entre mulheres se torna algo revolucionário. O amor, o companheirismo, os relacionamentos lésbicos são afronta direta ao patriarcado, ele treme diante mulheres se amando e rejeitando homens. Isso não passa despercebido, e fazem o possível pra apagar a nossa existência. Apagam nossa história, apagam nossa arte, nos marginalizam e nos negam direitos básicos, nos negam até nosso próprio nome.
Gay.
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Homossexual.
Casal de mulheres.
“Não precisa de rótulos”
“Talvez ela seja bissexual”
Nunca lésbicas.
Nos negam a existência do nosso próprio nome. Nos apagam e nos assimilam em outros nomes que não são nossos. Reconhecer como nos chamamos é reconhecer existimos. E isso não querem.
Lésbica. Somos lésbicas. Sapatão. Fancha. Cola velcro. LÉSBICAS. E assim devemos ser chamadas, e assim devemos nos reconhecer. Lésbicas, mulheres resistentes ao patriarcado. A existência lésbica é essencialmente revolucionária por si só.
Lésbicas e o Feminismo
Não muito diferente de outros meios mistos, não nos encaixamos em espaços feministas. O que é irônico, pois ajudamos e publicamos grande parte da teoria feminista que as feministas hetero e bissexuais idolatram, ao mesmo tempo em que não temos voz no movimento. Como a maioria dos espaços de mulheres no patriarcado, o feminismo é heterocentrado. Feministas costumam defender qualquer outra minoria sexual, menos as lésbicas. Levantam a bandeira da homofobia, celebram homens gays, levantam a bandeira da transfobia, da bifobia. Não bastasse nos ignorar, nos taxam como opressoras, nos tratam como homens e dizem que queremos ser como eles, que somos predatórias, que somos nojentas. Mulheres feministas heterossexuais não querem de nenhuma forma ser relacionadas à lésbicas, seguem tentando agradar homens. “Não somos aquelas sapatonas que odeiam homens, prometo, odiamos elas”.
Mulheres lésbicas são uma das categorias mais marginalizadas de mulheres, e ainda não somos uma categoria uniforme. Lésbicas são mulheres que além da misoginia e lesbofobia também sofrem outras opressões, o que só as torna ainda mais invisíveis e marginalizadas. São lésbicas pobres, lésbicas periféricas, lésbicas negras. São mulheres que vivem na margem da margem, que são invisíveis em todos os meios, que mais estão vulneráveis às violências lesbofóbicas.
Sofremos violência doméstica motivada por lesbofobia, violência corretiva (não só sexual), estupros corretivos (que em maioria são dentro dos nossos próprios lares), temos acesso à saúde ginecológica negada por profissionais que nos constrangem e nos violentam, temos acesso a prevenção de DSTs negado porque não temos um pênis pra encapar. Somos ignoradas em pesquisas, não há sequer números sobre as nossas violências.
Seguimos sendo agredidas diariamente.
Seguimos sendo estupradas diariamente.
Seguimos morrendo diariamente.
E eu não tenho sequer números dessas violências pra conquistar a empatia das pessoas. Eu não tenho estimativas. O mundo não tem ideia aproximada. E as pessoas que deviam estar fazendo isso, nos ajudando nisso, nos invisibilizam ainda mais.
Nós somos uma pauta do feminismo ambulante. Mas elas não ligam.
Ninguém liga.
A esquerda não liga. O feminismo não liga. O movimento LGBT não liga.
Não há iniciativas humanizadas pra resolver esses problemas. Não há mobilizações pra isso. Dependemos umas das outras e da nossa própria luta. Sem lutar sequer continuaríamos existindo.
Seguimos morrendo.
Seguimos sofrendo violência.
Mas acima de tudo, seguimos resistindo.

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